AS MÃOS POR TRÁS DOS PÃES

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Sou Renata Rocha, arquiteta e padeira. Arquitetos sempre cultivaram a fama de serem bons cozinheiros. Em algum meandro inexplicável do inconsciente as duas artes se assemelham, e o desenho, a inspiração, os detalhes e as composições se orquestram de uma forma totalmente intuitiva e inevitável.

Pulamos para o ano de 2016 e estou completamente obcecada por todos os Chef’s Table e demais documentários de comida lançados pelo Netflix, quando esbarro em Michael Pollan e seu lindo “Cooked” pela primeira vez. Eu que até então desdenhava da ideia de fazer pão, pois tudo que eu conhecia eram roscas de leite condensado e pão de forma, fui completamente arrebatada pelo que vi ali. Entendi que o pão é um alimento fundamental na história da construção da civilização que nos acompanha desde o período neolítico, e que a fermentação longa e natural tem um papel fundamental na transformação dos grãos de trigo em algo nutritivo e saudável para nossos organismos. Eu precisava fazer aquilo acontecer na minha cozinha. Foi assim que começou a jornada que me traz aqui hoje e que está longe de terminar.

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Há 4 anos atrás não vivíamos o boom da fermentação natural e eu não sabia bem como fazer para aprender e nem como um pão sourdough deveria ser. Após inúmeras tentativas, acertos e erros, (incluindo papas cinzas jogadas fora e pães com peso de tijolos) me armei de toda a bibliografia possível, estudando incansavelmente até decidir sair pelo mundo em busca de formação consistente. Fiz cursos no Brasil, na Itália e mais recentemente no excelente San Francisco Baking Institute de Michael Suas. E de todos estes anos, devo dizer que minha maior escola tem sido a prática cotidiana que fui capaz de abraçar desde a quarentena. 

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Chegamos a março de 2020, quando me isolei em casa e junto com o resto do mundo fui me ocupar de uma vida totalmente diferente do antes. Finalmente pude me dedicar inteiramente ao ofício de fazer pão, todos os dias, em quantidades maiores que meu corpo solitário parece suportar fazer, e nunca me senti tão realizada. Sigo aprendendo diariamente e grata por poder viver a maior aventura de todas que acontece dentro de mim, proporcionada por este ato milenar, maravilhoso e fundamental que é fazer pão. 

Agradeço a você que consome este pão e que acredita, assim como eu, em um futuro possível construído com nossas mãos, pelo coletivo e para o coletivo. Seguimos juntos e avante, com desejos de boas fornadas e aprendizados para todos nós.

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